Paris tem tanto museu que é difícil escolher sobre qual falar. Desta vez escolhi um dos mais importantes da capital, e que é indispensável para quem ama a pintura dos séculos XIX e XX: o Musée de L’Orangerie. O que muita gente não sabe é que ele foi praticamente formado por causa do amor à arte de duas pessoas: do pintor Claude Monet e de Paul Guillaume, um colecionador de obras-primas.
O nome desse museu é por causa da finalidade da construção do imóvel: ele foi construído em 1852 – assim como o edifício vizinho, onde hoje está o museu Jeu de Paume – para abrigar as laranjeiras (orangers) do jardin des Tuileries que, nesta época, era parte do palácio de mesmo nome. Os responsáveis pela construção foram os arquitetos Firmin Bourgeois e Ludovico Visconti. A decoração é sóbria, mas de acordo com o estilo da época. Junto com a Place de la Concorde e o Palais de Tuileries (destruído), as duas construções lado a lado (Jeu de Paume e Orangerie) formavam um belo conjunto arquitetônico.
A partir do começo da III República, teve várias utilidades: foi abrigo para soldados, depósito de material e lugar para eventos de diversos tipos. Até que em 1921 foi incorporado à administração do Museu de Belas Artes (Musée de Beaux-Arts). Nessa época, o Musée du Luxembourg abrigava obras de arte moderna, mas não havia espaço para expor muitas obras. Então, pensou-se em fazer das duas construções paralelas (Orangerie e Jeu de Paume) anexos do Luxembourg.
Mas um fato vai mudar a história do futuro Musée de L’Orangerie: em 1918 Monet escreve uma carta a seu amigo Georges Clemenceau, chefe do governo, onde expressa a intenção de doar ao Estado Francês seus painéis Nymphéas. Em 1922, ele assina o acordo da doação, onde se compromete a doar as grandes composições das Nymphéas que, por sugestão de Clemenceau, seriam expostas em duas salas do Orangerie.
Porém, por causa dos problemas de saúde de Monet e por sua relutância em se separar da sua obra, as Nymphéas só são doadas após a morte do artista, em 1926. Alguns meses depois, em 17 de maio de 1927, as salas com os painéis são inauguradas, seguindo as disposições desejadas pelo pintor.
Os painéis de Monet ocupam o lado leste do museu. O outro lado é ocupado por uma galeria onde acontecem exposições temporárias. O museu tem duas entradas: a primeira é a entrada principal, que é a mesma usada até hoje. E a outra é na parte voltada para o Sena, o lado “envidraçado” da construção, ligada a um vestíbulo que leva direto às Nymphéas.
No entanto, os painéis não fazem sucesso. O público aparece mesmo é para ver as exposições que aconteciam ali. Naquela época, somente a Orangerie e o Petit Palais possuíam espaço para grandes exposições temporárias, principalmente sobre arte antiga.
Entre 1959 e 1963 acontece outro evento que vai mudar a vida do museu: a aquisição da coleção Jean Walter e Paul Guillaume. Aliás, essa história é bem interessante. Paul Guillaume é um negociante de arte e colecionador. Ele é amigo de vários artistas, como Modigliani, e começa a colecionar ainda no começo do século XX.
Nos anos 1920 ele já possui uma coleção invejável de arte moderna – mas na faculdade chamamos de arte contemporânea tudo o que foi realizado depois de 1789 – e reprova o governo francês por não possuir um acervo expressivo nessa área. Então, prometeu dar a Paris um museu que fizesse jus à arte “viva” no mundo.
Só que, assim como Monet, ele tinha relutância em se separar de sua obra, nesse caso, sua coleção. E a crise de 1930 dificulta as coisas. Até que, em 1934, acaba morrendo de repente, de septicemia por causa de uma apendicite. Em testamento deixa para sua viúva, Juliette Lacaze, conhecida como Domenica, instruções para a doação, embora, de acordo com uma cláusula, ela possa vender o que achar necessário.
Aí entra em cena a personalidade enigmática de Domenica. Ela reluta em executar a doação. E mais: poucos anos depois da morte de Paul, ela se casa com Jean Walter, que vai fazer fortuna com minas no Marrocos. Com dinheiro garantido, ela, ao longo dos anos, não só retarda a doação, como altera a coleção, vendendo muitos quadros – como Picassos e Matisses – e comprando outros, como alguns de Renoir.
Aliás, um pouco depois da morte do primeiro marido, ela adora uma criança, um menino, Jean Pierre, conhecido como Paulo. Na época – e mesmo hoje – especulou-se muito que a adoção tinha por finalidade evitar a doação das obras, pois de acordo com o testamento de Paul Guillaume, no caso de ausência de filhos, uma fundação seria criada para se encarregar da doação da coleção ao Estado Francês.
Somente em 1959 o desejo de Paul é atendido. E dizem as más línguas que não foi de maneira espontânea. É que em 1958, Paulo, o filho adotivo, acusa Domenica e o amante, conhecido como doutor Lacour, de tentativa de assassinato por questões de herança. O médico é preso e, para escapar da acusação, Domenica teria aceitado vender a coleção de Paul ao Estado, incluindo os quadros que ela mesma havia comprado. Ao conjunto de obras, ela coloca o nome dos seus dois maridos: Collection Jean Walter e Paul Guillaume.
A vontade de Paul era que as obras fossem para o Louvre, mas, por falta de espaço, é decidido usar o Orangerie: os quadros ficariam nas salas das exposições temporárias. Para abrigar a coleção, que não é grande, foi realizada, a partir de 1960, uma segunda campanha de trabalhos sob a chefia do arquiteto Olivier Lahalle. A galeria de exposição temporária é demolida e a construção é dividida em dois andares: um para Monet e o andar inferior para a coleção. É nessa época que a entrada exclusiva das Nymphéas e o seu vestíbulo são destruídos.
Porém, mesmo após o acordo feito com o governo, Domenica conserva o usufruto dos quadros. Então, o Orangerie continua a apresentar exposições temporárias. Até que, em 1977, a viúva morre e a coleção pode entrar, finalmente, para o museu. Porém, 18 anos se passaram desde a compra e o Orangerie necessita de uma nova reforma. Essa terceira campanha de trabalhos vai de 1978 até 1984, quando a coleção é aberta à visitação.
Com a criação de novos museus, como o Centre Pompidou e o Grand Palais, e a entrada das novas obras, o Orangerie deixa de ser um lugar conhecido pelas exposições temporárias e torna-se marcante pelo seu acervo. Apesar de não receber muitos investimentos, entre 1984 e 1998 o número de visitantes mais do que dobra, passando de 200 000 a 500 000 pessoas por ano. As Nymphéas, que ficaram mais de 50 anos sem sucesso, encontram seu público.
E aí acontecem os mais recentes trabalhos de renovação do museu, entre 2000 e 2006. Uma das coisas mais importantes dessa reforma é que os painéis de Monet são de novo iluminados pela luz natural, algo desejado pelo artista e que havia se perdido com as reformas de 1960. A arquitetura original da construção volta a ser visível, assim como uma parte de uma das muralhas de Paris, a do século XVI.
As obras do museu
O Orangerie é um museu pequeno – comparado a outros de Paris – mas a quantidade de obras-primas ali é gigantesca. Monet, Renoir, Degas, Picasso são só alguns dos mestres que encontramos no seu acervo. A lista é grande
As duas salas das Nymphéas
Assim que ficou decidido que o Orangerie abrigaria as Nymphéas de Monet, começam os trabalhos no local. Embora o artista tenha se negado a se separar dos painéis em vida, é ele mesmo que dita as regras para a reforma e arrumação das salas. O arquiteto-chefe dos trabalhos, Camile Lefèvre, segue de perto as orientações de Monet: iluminação natural e estilo Art Déco, muito em moda na época.
O conjunto das Nymphéas é uma das obras mais importantes da vida artística de Monet. Começados em 1914, os grandes painéis são sugestão de George Clemenceau, o amigo da carta de 1918. O conjunto é constituído por oito obras de 2 metros de altura (e larguras diferentes), pintadas a partir do “Jardin d’eau” da propriedade do artista em Giverny, na Normandia. Cada um dos painéis evoca o avançar das horas, desde o nascer até o pôr do sol.
As duas salas em que eles estão expostos têm, juntas, a forma de um oito deitado. A iluminação natural favorece a percepção de cada obra de acordo com o avançar do dia, que era um dos efeitos desejados por Monet. Em cada uma das salas estão quatro painéis, a disposição das obras também foi de acordo com o desejo do artista.
A coleção Jean Walter e Paul Guillaume
Ela fica no nível -2 do museu. Logo que entramos, à direita, uma pequena sala mostra como era o apartamento de Paul Guillaume nos anos 1930 na avenue Foch, em Paris. Há uma representação de um cômodo em tamanho natural e dos outros em miniatura. Podemos ver mais ou menos como eram as paredes do imóvel, cheias de quadros da coleção.
Quase em frente, outra sala mostra os objetos que fizeram parte da vida de Paul Guillaume, assim como as capas da revista que ele criou, Les Arts à Paris, onde, além de promover galerias e artistas do começo do século XX, ele reproduzia as obras de sua coleção.
Logo em seguida, um longo corredor cheio de obras de Renoir. São 25 ao todo, grande parte comprada pela viúva de Paul Guillaume, Domenica. O que predomina aqui são os retratos e as chamadas “scènes de genre”, cenas do cotidiano, muitas das quais protagonizadas pela família do artista. E como se não bastasse tanta obra-prima, ao final desse corredor há ainda uma obra de Alfred Sisley, uma de Paul Gauguin e ainda uma de Monet
O museu possui duas salas destinadas à Cézanne. Apesar de já ser um artista colecionado por Paul Guillaume, a maior parte dos quadros da coleção foi comprada por Domenica nos anos 1950. Para se ter uma ideia do dinheiro da viúva: em 1952, ela pagou 33 milhões de francos por Pommes et Biscuits, uma fortuna para a época. Nessa minha última visita ao museu, não havia muitos “Cézannes”, pois eles estavam emprestados para uma exposição temporária em outro museu.
A sala seguinte apresenta as obras de Matisse e Picasso. Paul Guillaume possuía muitos quadros dos dois artistas, que conheceu pessoalmente, mas, infelizmente, Domenica vendeu a maior parte. No caso de Picasso, o que restou foram 12 obras principalmente dos períodos “Bleu” e “Classique”. Já de Matisse, o Orangerie possui 10 obras, todas realizadas entre 1917 e 1927.
A outra grande sala a seguir conserva, principalmente, as obras de André Derain e Marie Laurencin. Derain é o artista mais próximo de Paul Guillaume: em 1916, o colecionador realiza uma exposição em Paris inteiramente dedicada ao pintor. Em 1923, Guillaume se torna o principal marchand das obras de Derain. Assim, a coleção do Orangerie conta com 28 quadros do artista que foi, nos anos 1920-1930, mais famoso do que Picasso.
Marie Laurencin havia tido um caso com o poeta Apollinaire e foi, talvez, por intermédio dele que conheceu Paul Guillaume em 1912. O colecionador nunca foi seu marchand principal, mas vendia e comprava muitas obras de Laurencin. Hoje o museu conserva cinco quadros dela.
Saindo dessa segunda grande sala, vemos uma sala pequena. Nela estão obras de Modigliani e do Douanier Rousseau. Na verdade, essa disposição pode mudar: já vi os “Modiglianis” nas grandes salas, assim como, desta vez, as obras do Douanier Rousseau estavam emprestadas para uma exposição em Veneza.
Amedeo Modigliani está presente em quatro obras no Orangerie. Uma grande amizade o unia a Paul Guillaume. Os dois eram jovens quando se conheceram e Paul foi um dos primeiros apoios do artista, chegando a ser, entre 1915 e 1916, seu marchand exclusivo.
Já a pintura de Henri Rousseau – conhecido por Douanier por trabalhar na douane (alfândega) de Paris após 1870 – era celebrada pelos modernistas do começo do século XX, incluindo Apollinaire. É o poeta que aconselha Paul Guillaume, em 1915, a colecionar as obras do Douanier, que havia morrido em 1910. Assim, o museu hoje abriga nove quadros de Rousseau, formando o conjunto mais importante na França do artista, ainda desconhecido por muita gente.
Logo em seguia estão as salas com as obras de Utrillo e Soutine. Maurice Utrillo é um dos primeiros artistas que atrai a atenção de Paul Guillaume. A vida difícil que levava, além de seu talento, provoca a admiração do colecionador, que compra e coleciona dez de suas obras, todas hoje presentes no museu de l’Orangerie.
O caso de Paul Guillaume com a pintura de Chaïm Soutine é muito interessante: é graças ao marchand-colecionador, que havia comprado um quadro do pintor, que um de seus clientes, o doutor e também colecionador americano, Albert Barnes, se apaixona pelo artista. O médico passa, então, a comprar compulsivamente as obras de Soutine, no que é seguido por vários colecionadores e até mesmo por Paul (que havia comprado primeiro). No total as 22 obras de Soutine no Orangerie compõem o mais importante acervo do artista na Europa.
Bom, este é um apanhado geral das salas do museu. As obras, de vez em quando, mudam de lugar para suprir lacunas devido a empréstimos a outros museus ou quando uma delas é levada para restauração. Mas a ordem em que você vai vê-las expostas não é muito diferente desta que mostrei. O museu também recebe exposições temporárias, entre uma ou duas por ano.
Musée de L’Orangerie
Jardin des Tuileries
75001 Paris
Metrô: Concorde – linhas 1, 8, e 12
Horários: de quarta a segunda, das 9h às 18h
Fechado em 1 de maio, na manhã de 14 de julho e em 25 de dezembro.
Preço: 9 euros. Tarifa reduzida: 6,50 euros. Gratuito no primeiro domingo do mês.
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