Edouard Jeanneret, conhecido como Le Corbusier (1887-1965), foi um dos arquitetos mais importantes do século XX, inspiração para vários outros, inclusive Oscar Niemeyer. Ele deixou várias obras, como, por exemplo, a Maison du Brésil, na Cité Universitaire aqui de Paris (projeto realizado junto com Lucio Costa), e o projeto da embaixada da França em Brasília. Para quem gosta de seus trabalhos – e de arquitetura moderna em geral – um passeio muito interessante é a Villa Savoye, perto de Paris. Até eu, que não sou muito fã do período, achei a visita muito legal e conto aqui por quê.
A Villa Savoye fica em Poissy, uma cidade localizada no departamento de Yvelines, a cerca de 30 km de Paris. Foi construída entre 1928 e 1931, por encomenda de Pierre Savoye, um rico empresário de uma companhia de seguros. Le Corbusier, de origem suíça, morava em Paris havia dez anos e já era conhecido por suas criações e também como escritor – ele fez vários livros sobre arquitetura – e pintor. Por isso ele foi escolhido pelo rico empresário, tendo o primo, o também arquiteto Pierre Jeanneret, como assistente.
Pierre Savoye queria uma Villa onde pudesse passar os finais de semana e receber a família e os amigos. Por isso, havia comprado o terreno de sete mil hectares em uma colina com uma bela vista sobre o Sena. O local era de fácil acesso à capital, pois os 30 km seriam percorridos facilmente de carro. Ao mesmo tempo, tinha uma aparência de campo, com prados e florestas por todos os lados. De acordo com o próprio Le Corbusier, o cliente era uma pessoa sem ideias pré-concebidas, nem de estilo conservador e nem moderno. O arquiteto teve praticamente carta branca para inovar ali.
E foi o que ele fez. A Villa Savoye é o último projeto do período purista de Le Corbusier, também chamado de período de “maisons blanches” (casas brancas). Ali ele usa toda a sua concepção de modernidade e faz várias inovações desde o primeiro projeto da Villa, de 1928. Porém, os custos da construção são altos demais. Em 1929, Le Corbusier faz um novo orçamento mais barato, mas mesmo assim a construção da Villa vai custar 900 mil francos.
O fascínio dos artistas de vanguarda pelas máquinas e pela indústria está presente no projeto. De acordo com o próprio artista, a Villa é uma máquina para morar e para emocionar. O material empregado é o mais simples possível, o concreto. A obra não interfere na natureza, mas é sua espectadora, como se fosse um objeto, sem atrapalhar nada. A luminosidade e as cores presentes no interior são também elementos mais importantes que a construção mesma, e tudo isso é muito inovador para a época.
Em 1931, a Villa Savoye fica pronta. Porém, logo nos primeiros meses, um problema: a casa é inundada até a altura da rampa de acesso ao primeiro andar. Assim, uma primeira restauração é realizada. O terraço é impermeabilizado e a pintura refeita.
Mas, os proprietários pouco a pouco deixam de utilizar a propriedade. Ela torna-se celeiro de forragem. Depois, em 1940, vira abrigo dos alemães e, em seguida, dos aliados. Quando a guerra acaba, é instalado ali um abrigo para jovens.
Em 1958, o terreno e a Villa são comprados pelo município de Poissy, que deseja destruir a casa para construir uma escola secundária. Tudo estava bem degradado. A demolição não é realizada, mas a propriedade perde em tamanho para a construção do liceu, que está ali na área ao lado até hoje. É quando a Villa Savoye atinge seu tamanho atual, de 10 365 metros quadrados.
Depois de uma campanha da Associação Internacional de Arquitetos, em 1964, a cidade de Poissy transfere a Villa Savoye para o domínio do Ministério da Cultura. Ela é classificada como Monumento Civil. É um dos poucos monumentos que obtém essa classificação estando seu criador ainda vivo. Em 1965, a Villa recebe o título de Monumento Histórico.
Nessa época, uma segunda restauração é feita. Le Corbusier não podia interferir completamente no trabalho, mas tinha o direito de inspecioná-lo. Ele morre em 1965 e a reforma termina em 1967. As janelas de madeira são trocadas por alumínio, mais uma inovação da Villa.
A propriedade ainda passa por duas restaurações: uma entre 1985 e 1993, onde a estrutura é reparada; e a outra entre 1996 e 1997, para adaptar a Villa à visitação pública, que havia começado em 1992. O intuito era aproximar o lugar do seu estado original, além de reconstruir os canteiros do entorno. Hoje, a propriedade recebe mais de 30 mil pessoas ao ano, a maioria arquitetos e estudantes de arquitetura, franceses e estrangeiros.
Uma nova arquitetura
A Villa Savoye é o contrário de uma propriedade luxuosa. Ela é completamente desprovida de decoração na sua parte exterior e desde o começo com muito poucos móveis no interior. A atenção de Le Corbusier foi para o trabalho com o espaço, o material, a forma, a cor e a luz. Aliás, a casa também é conhecida como “Les Heures Claires” (as horas claras), por causa da grande luminosidade que há dentro dela mesmo durante o inverno. As cores usadas no interior também são muito interessante: elas são vivas e formam um contraste com o branco e acentuam a luz.
Um pouco antes de fazer a Villa Savoye, Le Corbusier havia teorizado sobre a arquitetura em uma obra, Vers une architecture lançada em 1927 – no Brasil, a publicação teve o nome de “Por uma arquitetura”. Nela, ele dizia que uma casa moderna deveria possuir cinco fatores, chamados de pontos de uma nova arquitetura. E a Villa Savoye reúne todos eles.
O primeiro são os Pilotis, ou seja, alicerces feitos de estacas. Ao se apoiar neles, a casa libera espaço para o terreno, para mais jardins. Ao mesmo tempo, transparências visuais são criadas, pois temos uma perspectiva olhando por baixo do imóvel. É como se a construção fosse bem leve e se equilibrasse sobre o pedestal central.
O segundo ponto é o telhado jardim ou solário. Graças ao uso do concreto, não é mais obrigatório fazer os telhados inclinados e com telhas. Então, são construídos terraços, que se tornam uma parte importante da residência e que se destacam no céu por uma linha horizontal pura.
O terceiro é o Traçado Livre. Nesse item, por exemplo, não há mais necessidade de que as divisórias dos cômodos sejam também elementos de sustentação. A estrutura entre um andar e outro são pilares ou colunas dispostos em lugares estratégicos. As separações de cada cômodo são pensadas apenas de acordo com o uso de cada um ou por efeitos de arquitetura.
Depois vem a Fachada Livre. Também o “envelopamento” do edifício não segue a necessidade de sustentação. As fachadas são construídas para iluminar e possibilitar uma bela vista dos arredores. Na Villa Savoye, as quatro fachadas pouco diferem entre si.
E, por último, a janela em comprimento. Graças a liberdade de traçado e das fachadas, aqui as janelas podem correr sem interrupções de um lado a outro da fachada. Isso cria uma claridade impressionante. Na Villa Savoye, as janelas são um elemento muito importante. Ao olharmos, por exemplo, o bosque lá fora, nós temos a impressão de ver uma paisagem de um quadro, onde a janela é a moldura. E isso vai bem de acordo com a concepção do projeto de não interferir na natureza, apenas contemplá-la.
A visita
Logo que chegamos na Villa Savoye, à direita da entrada, vemos uma construção com as mesmas características, mas menor. É a casa do guarda. Não é visitada. Logo em seguida, um caminho no bosque e a propriedade principal aparece como se estivesse isolada. Há um pequeno jardim e esta é uma parte interessante do projeto: a disposição dos gramados e caminhos é como se a sombra das estruturas da fachada estivesse projetada no chão, ou seja, a casa e esse jardim da frente são simétricos.
Damos a volta da construção para entrarmos por trás, que é a entrada principal. Vemos aí que a Villa foi projetada para que um carro pudesse fazer o contorno dela e partir sem precisar fazer grandes manobras. As medidas usadas foram de uma limusine de 1930.
Entramos por um hall de 60 metros quadrados. Por causa da bilheteria e de uma pequena livraria, não temos a dimensão exata do que era o cômodo na época. Mas já vemos os efeitos da claridade no lugar.
Rampa e escada – Ainda no hall, são visíveis duas das maiores características da obra de Le Corbusier: a rampa e a escada. O arquiteto mesmo dizia que a concepção da Villa Savoye era de um passeio arquitetural. E as rampas – há duas na propriedade – reforçam essa ideia, pois possuem aberturas, que possibilitam vermos a evolução da arquitetura da casa enquanto subimos.
Já a escada – que na visita é mais usada para descer ao térreo – é em forma helicoidal e aberta. Então, em cada curva, na descida, temos uma perspectiva diferente do Hall, que está embaixo.
Quarto de serviço – Seguindo o corredor, ainda no térreo, encontramos o quarto de serviço. Nele estão os documentos que contam a história da construção da Villa Savoye, assim como menções a outros projetos de Le Corbusier. Também há uma lavanderia e o quarto do motorista, mas esses cômodos são usados pela administração do lugar.
Salon (Sala) – Subindo pela rampa, vemos uma grande peça ao lado de um terraço. É a sala, que mede 6x 14 metros. É muito clara, aberta em três lados: o norte e oeste são unidos por uma mesma grande janela. Era possível ver o Sena ao longe (mas hoje há algumas construções no horizonte). O lado sul tem uma porta de vidro, corrida, que dá para o terraço. Toda essa abertura cria uma impressão de mistura entre interior e exterior na sala.
Os móveis são de 1928 e foram criados por Corbusier, Pierre Jeanneret e Charlotte Perriand (esta última arquiteta de interiores). A estrutura é em metal, uma referência ao mundo industrial que tanto fascinava na época. Uma outra curiosidade é a chaminé, que é descolada da parede e como se fosse um prolongamento da prateleira que fica embaixo da janela.
Cuisine (Cozinha) – Na entrada da cozinha, passamos por um corredor com armários de alumínio, que fazem papel de divisória. Embaixo deles, há um espaço, que era provavelmente usado para passar os pratos. Embora hoje não pareça, esse tipo de composição era uma inovação para a época.
Depois vemos o cômodo propriamente dito, com as pias ao lado de grandes janelas – a característica de privilegiar vistas panorâmicas é mantida em toda a casa. Até eu, que não entendo muito da coisa, adoraria ter uma cozinha desse tamanho. Há uma mesa fixa central. De acordo com os documentos e relatos, havia ali os mais modernos equipamentos dos anos 1930.
Quartos pequenos (Petites Chambres) – O primeiro se abre para um canto com banheiro. As características de janela longa, com uma pequena prateleira embaixo, são mantidas. Assim como nos outros quartos, há um armário de alumínio com portas corridas. Confesso que adorei o móvel: deve caber muita coisa e aproveita bem o espaço. Esse tipo de armário, criado por Le Corbusier, será inspiração para muitas lojas de decoração e até mesmo para as grandes redes atuais, como, por exemplo, Ikea.
O segundo quarto também tem um banheiro, este com uma banheira e uma janela com vista para o jardim. Como toda a casa, também é banhado em luminosidade. O quarto tem uma vista panorâmica para duas direções. O armário aqui tem uma função de biombo e otimiza o espaço.
Chambre des Maîtres (Quarto Principal) – à esquerda tem um banheiro. Mas diferente dos outros quartos, aqui o banheiro é integrado ao cômodo. Ele fica perto da entrada do quarto, então, em um dos lados é fechado por um armário, que faz uma espécie de corredor para entrar na peça. Mas, do lado que dá para onde ficava a cama, apenas um parapeito baixo de linhas curvas serve de divisão. Divisória que também pode ser usada como uma espécie de banco.
O quarto, como toda a casa, é bem iluminado. As janelas, que correm por toda a parede, dão uma vista linda dos arredores. Embaixo delas, armários baixos.
Boudoir-bureau (Toucador-escritório) – É um prolongamento do quarto principal, um pequeno paralelepípedo bem iluminado por duas janelas: ao sul, como se fosse uma faixa curta sobre a fachada de chegada, uma visão panorâmica para o bosque. Ao norte, a janela é quadrada, como se fosse um buraco na parede e dá para o terraço, ou seja, uma visão mais íntima do que a primeira janela.
Terraço – Ainda no primeiro andar, ao lado da sala, está o terraço. Ele é concebido como um espaço interior: também possui as aberturas, as grandes janelas, que ocupam toda uma parede, com prateleiras embaixo. A parte sul é coberta. Como mobiliário, mesas e jardineiras que podem ser usadas como bancos.
Solarium (Solário) – Fica na parte superior da casa. Para chegarmos a ele, pegamos uma segunda rampa, nos moldes da primeira, mas a céu aberto. Esse telhado em forma de solário é uma novidade: é aberto verticalmente, ou seja, ao ar livre; e fechado horizontalmente por paredes que alternam formas curvas e retilíneas, formando espaços ao abrigo do vento.
O que é interessante do solário é que uma das primeiras coisas que vemos, ao subir a rampa, é uma parede com uma janela, que mais parece um buraco, também com uma espécie da mesa embaixo (que mais parece um banco). Ao nos aproximarmos e olharmos através dela, a vista é muito bonita. Foi aí que tive a impressão mais viva de olhar um quadro.
O branco da parede com essa vista azul e verde – era primavera, mas imagino que seja bonita também no inverno – faz um belo contraste. É bem agradável sentar ali no banco – ou seria mesa? – e passar momentos só observando, não só a paisagem como também a própria Villa Savoye. Difícil não imaginar como seria viver ali.
Villa Savoye
82 Rue de Villiers,
78300 Poissy
Telefone: (33)1 39 65 01 06
Horários: aberta de terça a domingo. De 1º de março a 30 de abril e de 1º de setembro a 31 de outubro, das 10h às 17h. De 2 de maio a 31 de agosto, das 10h às 18h. De 2 de novembro a 28 de fevereiro, das 10h às 13h e das 14h às 17h.
Tarifa: 7,50 euros. Tarifa reduzida: 4,50. Gratuito para menores de 26 anos, desde que sejam cidadãos europeus ou que, ao menos, morem na França.
Menores de 18 anos também não pagam, desde que acompanhados pela família.
Visitas guiadas – em inglês: quartas, às 11h, e sextas, às 11H e 14h30. Em francês: sábados e domingos, às 11H e 14h30. Geralmente, essa visita guiada é gratuita, mas é bom sempre confirmar isso, assim como os horários.
Aceita o Paris Museum Pass
Como chegar: pegar o RER A, direção Poissy. Descer na estação final e ali mesmo pegar o ônibus 50, direção La Coudraie, e descer na parada Villa Savoye. O trajeto dura mais ou menos uma hora a partir de Paris. Para mais informações consulte o site da RATP (companhia de transportes francesa)
Para ir de carro, consulte o Via Michelin. Há estacionamento, gratuito, em frente à Villa.
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