Um dos lugares mais visitados de Paris, a Conciergerie é o vestígio do primeiro palácio dos reis franceses, além de ter sido a primeira prisão da capital. Mas sua história foi marcada pelos anos em que foi a última morada dos condenados à guilhotina da Revolução Francesa.
Desde a época em que Paris era uma província romana, a Île de la Cité era o lugar ideal para ser o coração de Paris, pois sua localização, além de ser central, favorecia, também, o aspecto defensivo. Era ali que ficava o palácio do governador, no século II d.C. Após a queda de Roma, os reis merovíngios e depois os carolíngios (como Carlos Magno, por exemplo) utilizam o mesmo palácio em suas temporadas parisienses.
Mas é a partir do século XI, com o rei Robert Le Pieux (o Piedoso), que o Palais de la Cité tem sua primeira reconstrução. O soberano não economiza no que há de mais luxuoso na época, não só para afirmar sua soberania diante dos senhores feudais, como também – pasmem- para satisfazer sua terrível esposa, Constance d’Arles.
E conforme o poder real foi aumentando, o palácio também ia crescendo. No reino de Filipe Augusto (1165-1223), a corte torna-se menos itinerante e o centro do poder se fixa no Palais de la Cité, que é, mais uma vez, ampliado. Aliás, é nessa época que se ouve pela primeira vez o termo concierge, que exercia certas funções de justiça nas dependências do palácio.
Poucos anos depois, seria Luis IX (ou São Luis) a reformar e ampliar o Palais. Dentre várias modificações no local durante seu reinado, a mais famosa é a construção da Sainte-Chapelle. Outra grande reforma é realizada por seu neto, Filipe O Belo (1268-1314). Conhecido por reinar com mão de ferro – ele queimou os Templários -, o rei Filipe encarrega seu chambellan (uma espécie de Primeiro-Ministro), Enguerrand de Marigny, da tarefa de fazer do palácio um lugar vasto para acolher a já complexa administração real.
Outra importante ampliação no Palais de la Cité foi durante o reino de João o Bom (1319-1364). Ele constrói as cozinhas em dois níveis: a parte de cima para o rei e seus convidados e a de baixo para os serviçais. Como podem ver, essa divisão era a dinâmica não só da Sainte-Chapelle, como de todo o palácio.
Foi durante o reino de Charles V, filho e sucessor de João, que a residência real foi transferida para o Louvre. Apesar de perder a função de moradia, o Palais de la Cité continuaria sendo muito importante, pois era ali que o rei recebia seus convidados, reunia-se com o parlamento e guardava suas relíquias (na Sainte-Chapelle). E é nessa época que o palácio adquire uma função mais judiciária, se transformando de vez em sede da Justiça. E, ao partir, o rei deixa as chaves do Palais para o Concierge
A prisão dos inimigos do rei
Desde o século XIV, com a lotação da prisão do Chatelet, a Conciergerie do Palais de la Cité acolhe os prisioneiros do rei. Era uma situação muito cômoda para os juízes, uma vez que o tribunal ficava ali mesmo. E, para facilitar mais ainda o trabalho deles, nas torres foram instaladas salas de tortura. Um dos primeiros prisioneiros do lugar foi o próprio Enguerrand de Marigny, o chambellan que Filipe O Belo encarregou de construir o palácio. Em desgraça após a morte do rei, ele sairia dali direto para ser enforcado em Montfaucon (perto de onde é hoje o parque Buttes-Chaumont). Outro prisioneiro ilustre da monarquia foi François Ravaillac, assassino do rei Henrique IV, em 1610.
O encarregado das prisões era chamado de concierge. Era um cargo muito importante, exercido, na maioria das vezes, por pessoas da nobreza, que moravam no próprio local. Então, o nome Conciergerie designa tanto o lugar de moradia do concierge quanto a prisão que ele tomava conta.
Uma prisão para os “inimigos da Revolução”
Durante a Revolução Francesa, a instalação do Tribunal Revolucionário na Conciergerie, em maço de 1793, marca o período conhecido como Terror. Em setembro do mesmo ano, Robespierre, um dos líderes do governo revolucionário, instaura a Lei dos Suspeitos, que banaliza a pena de morte. Para se ter uma ideia, o número de execuções chega a 38 por dia em 1794.
A Conciergerie torna-se, então, um lugar de desesperança, já que os presos eram julgados e condenados à morte na guilhotina. E era ali nas prisões do antigo palácio real que aguardavam o julgamento e depois a morte, que geralmente era no dia seguinte.
Havia uma rotina macabra: de manhã, as celas eram abertas e homens e mulheres iam tomar sol em seus respectivos pátios. Depois, na torre Bombec, todos se reuniam para escutar o “Journal du soir”, lido pelo guarda encarregado de dar os atos de acusação aos presos que seriam julgados no dia seguinte. Uma vez dada a sentença, os amigos do condenado ofereciam-lhe um último banquete.
Maria Antonieta – a prisioneira ilustre
O primeiro grande processo julgado pelo Tribunal Revolucionário foi o de Maria Antonieta. A rainha chegou à Conciergerie após mais de um ano presa na prisão do Temple. Na nova “casa”, foi colocada em uma cela do térreo, onde era vigiada por dois guardas, que bebiam, fumavam e jogavam ali mesmo, em frente à rainha. Após um complô para soltá-la, ela é transferida para outra cela, e o casal Richard, responsável pela prisão na época, condenado por ter sido muito generoso com a prisioneira.
Após dois meses e meio na Conciergerie, Maria Antonieta é julgada e executada em 16 de outubro de 1793, na Place de la Révolution, hoje Place de la Concorde (Praça da Concórdia).
De prisão à atração turística
O Tribunal Revolucionário só seria dissolvido em maio de 1795: em 718 dias mais de 2780 pessoas foram executadas, inclusive o próprio Robespierre.
Após a Revolução, o Palais de la Cité sofre mais uma reforma, para abrigar a nova justiça. Mas a Conciergerie continua sendo uma prisão durante o século XIX. E prisioneiros ilustres continuam a chegar, como o futuro imperador Napoleão III, que ali ficou preso após o fracasso de uma conspiração para colocá-lo no trono. Ou o conde de La Valette, que conseguiu fugir vestido de mulher graças à ajuda da esposa.
E embora tenha sido modificado várias vezes, foi a partir de 1868 que o Palais de la Cité e sua Conciergerie tiveram a maior restauração. O arquiteto Joseph Louis Duc restaura as salas medievais. Mas, um incêndio em 1871, durante a Comuna de Paris, destrói grande parte do palácio, que havia sido classificado como Monumento Histórico em 1862. Duc começa, então, a reconstrução do lugar, que dura vinte anos.
De 1904 a 1914, Albert Tournaire termina o palácio atual com a construção do Tribunal Correcional e, no mesmo ano, 1914, a Conciergerie é aberta à visitação. Mas a atividade carcerária ainda duraria até 1934.
A visita
Ao longo dos séculos, o Palais de la Cité foi muito modificado, principalmente por causa das demolições e reconstruções após os acidentes, como os incêndios de 1776 e 1871. Além disso, muitas vezes, por vontade do rei, sua área foi reduzida. Um exemplo disso é o antigo Jardim do Rei, que foi destruído em 1607, durante o reinado de Henrique IV, para dar lugar à bela Place Dauphine.
Por isso, muito pouco do Palais original da Idade Média é conservado atualmente. Mas a visita à Conciergerie é bem interessante e inclui as antigas salas medievais e uma parte da área utilizada como prisão.
Salle de Gens d’Armes
É por onde começa a visita. Junto com a Salle des Gardes e a Cozinha, constitui os únicos vestígios da época medieval do Palais de la Cité. Obra-prima da arquitetura gótica do século XIV possui mais de 60 metros de comprimento. Era a parte térrea da Grand’Salle, esta última a sala onde o rei recebia os convidados importantes e realizava os banquetes. Já a Salle de Gens d’Armes era reservada aos serviçais do rei e dos visitantes, e podia acolher até duas mil pessoas.
Seu aspecto medieval foi devolvido na restauração da segunda metade do século XIX. Um fragmento de uma mesa no estilo da época está situado na parede sul. Mas é só uma réplica do século XVII, pois a mesa original foi destruída no incêndio de 1618. Em alguns períodos, o espaço acolhe exposições temporárias.
As Cozinhas
É a mais “nova” das salas medievais e foi construída em 1353 por João o Bom. Somente a parte térrea ainda existe. É um quadrado de 16,75 metros de lado e com grandes chaminés em cada um deles. Por seu uso doméstico, é de aspecto sóbrio. Atualmente está em reforma e não é possível visitá-la.
Salle des Gardes
Construída entre o fim do século XIII e começo do XIV, era o antigo térreo da Grand’Chambre, onde o rei fazia a justiça e onde será mais tarde o Tribunal Revolucionário. Essa sala se destaca pela beleza das colunas. Aquelas que estão na parede são decoradas com ganchos e as colunas medianas com cenas de combate de animais e narrativas. Ao norte da sala, escadas levam ao primeiro andar das torres De César e D’Argent, que serviam de prisão.
La Rue de Paris
Leva esse nome por causa de Monsieur Paris, que era torturador na época da Revolução. Fazia parte da Salle des Gens d’Armes, da qual foi separada no século XV. Na época da superpopulação da prisão, era ali que os mais pobres ficavam amontoados. Hoje, a Rue de Paris abriga a livraria da Conciergerie e um espaço onde podemos ver uma projeção sobre a prisão nos tempos revolucionários.
Os espaços da Revolução
Após o incêndio de 1776, Luis XVI decide reformar a Conciergerie. E, por ironia do destino, é nessa “nova parte” que ocorrem os principais fatos ligados à Revolução Francesa e que são abordados durante a visita. Mas só um trecho é acessível atualmente, o restante hoje faz parte dos serviços da Justiça e da Polícia.
Couloir des Prisonniers
Era por onde chegavam os prisioneiros. Possui três peças fechadas por grades de madeira, que são as réplicas do escritório do Greffier, onde os presos se registravam, do escritório do Concierge e da Salle de la Toilette, última etapa antes da execução e onde os prisioneiros tinham os cabelos cortados e as mãos amarradas antes de irem à guilhotina.
Sala dos Condenados
Fica no primeiro andar. Nas paredes estão fixadas listas com os nomes das pessoas executadas entre 10 de março de 1793 e 31 de maio de 1795, o período de funcionamento do Tribunal Revolucionário.
Corredor do primeiro andar
Possui três espaços que mostram como eram as condições dos presos, representados por bonecos. No primeiro deles, estão os Pailleaux, os mais pobres, que ficavam amontoados, sem iluminação, na palha, por onde circulavam até ratos. No segundo espaço, estão representados aqueles que podiam “comprar” uma cama e ficavam em celas com mais outros 3 ou 4 prisioneiros. Os mais ricos tinha direito até a uma cela individual, mobiliada e com iluminação.
Ainda no primeiro andar, há três salas com documentos e instrumentos relativos à prisão, e informações sobre os prisioneiros mais famosos da Revolução. A última delas é dedicada a Robespierre, que, após banalizar a pena de morte e ordenar a maioria das execuções, foi ele mesmo preso na Conciergerie, de onde saiu direto para a morte.
A Chapelle des Girondins (Girondinos)
Foi reconstruída depois do incêndio de 1776, no lugar de um antigo oratório medieval. Utilizada como prisão entre 1793 e 1794, tem esse nome devido aos girondinos (um grupo mais moderado da Revolução) que ali passaram sua última noite em torno de uma mesa de banquete e ao lado do corpo de Dufriche-Valazé, companheiro que se matou ao ouvir a sentença no tribunal. A tribuna, com grades, era destinada às mulheres
A Chapelle Expiatoire
Fica ao fundo da Chapelle des Girondins, separada por uma cortina fúnebre. Foi construída por ordem do rei Luis XVIII em memória da família real. Ela ocupa o lugar da enfermaria, onde ficou Robespierre, e metade da cela de Maria Antonieta. Duas estelas homenageiam Luis XVI e sua irmã Maria Elisabeth, executada em 1794. À esquerda, três quadros encomendados pelo rei em 1817, em homenagem à Maria Antonieta. Um monumento em mármore contém um trecho do Testamento da Rainha e uma dedicatória de Luis XVIII.
La Cour des Femmes
Assim como a Chapelle des Girondins, é a parte menos modificada. Era onde as mulheres passavam algumas horas por dia. Além de um pequeno jardim, há uma fonte para que as prisioneiras pudessem lavar as roupas. Ao sul e a oeste do pátio, em uma área hoje reservada ao Palácio da Justiça, ficavam as celas da prisão feminina. As mais abastadas eram alojadas no primeiro andar, enquanto as pobres, chamadas de Pailleuses, ficavam no térreo.
A cela reconstituída de Maria Antonieta
Chamamos reconstituída porque o lugar exato da cela da rainha é onde hoje está a Chapelle Expiatoire. Mas é uma recriação minuciosa: os móveis antigos são de acordo com a descrição de documentos da época. A rainha é representada vestida de preto, sentada, lendo, enquanto um guarda a vigia sem discrição. Uma vitrine conserva os objetos que pertenceram a Maria Antonieta, entre os quais um crucifixo.
O exterior da Conciergerie
As Torres e o Relógio
As quatro torres são construídas no espaço de um século e pertenciam à muralha do palácio medieval. A mais antiga é a Tour Bonbec, que data da época de São Luis. É chamada assim por causa dos torturados, conhecidos por terem “bon bec” (bom bico, em tradução literal, ou seja, confessavam até o que não faziam). As outras torres são a Tour d’Argent, a Tour de César e a Tour de l’Horloge.
Como o próprio nome diz, é na Tour de l’Horloge que foi colocado o primeiro relógio (horloge) público de Paris, em 1370, por Charles V. Mas o original foi destruído. A versão que vemos hoje é de 1585, encomendada por Henri III ao escultor Germain Pilon. Nela, o relógio está rodeado pelas figuras da Lei e da Justiça, em um fundo azul com Flores-de-Lis, símbolo da monarquia francesa.
Com exceção das torres, as construções do palácio no Quai de l’Horloge são todas do século XIX, em estilo Neogótico e Neoclássico.
Conciergerie
2, boulevard du Palais
75001 Paris
Horários: Aberta todos os dias, das 9h30 às 18h
Fechado em: 1 de janeiro, 1 de maio e 25 de dezembro.
Tarifa: 8,50 euros.
Há um ingresso combinado com a Sainte-Chapelle por 12,50 euros.
Você também pode usar o – Paris Museum Pass
Metrô – Linha 4 – Cité
Para quem entende francês, todos os dias há visitas guiadas gratuitas às 11h, 15h e 16h15. A duração é de 1h15
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